sábado, 19 de janeiro de 2008

Título: Um simples ser vivente
Autor:Luiz Bertini
Texto:Aqui será escrito um livro não técnico, visto que nenhum autor quis editar até hoje. Este livro esta sendo criado durante a escrita.

Capítulo 1 - 1990

Já havia muito tempo que ele não via um poente assim. Uma forte chuva de verão de final de tarde e agora o sol quase sumindo no horizonte distante. Mas em breve teria que parar de olhar, por mais que admira-se a beleza da paisagem e por maior que fosse o desejo de fotografá-lo, seus alunos já estavam chegando para o período de aulas noturno e, ele sabia que, em breve seria interrompido por alguma pergunta sobre eletrônica, futebol ou mulheres... Isto era dar aulas para jovens que gostavam de eletrônica, mais amavam mais ainda a vida e ele aprendia isto com eles, mesmo que fosse sem saber...

21/01/2008

Agora era tarde da noite, sozinho no ponto de onibus vazio, a única coisa que ele queria era ir embora para casa. Pegar o onibus, descer do onibus, andar a pé, durante um bom tempo e subir as escadarias... Era este o final do dia de um jovem professor, que ainda dividia seu tempo entre um emprego "normal" e os famosos bicos...

Trabalho não lhe faltava, mas mal sabia ele do futuro e da importância das coisas e das coisas importantes.

Já em casa o rádio era sua companhia durante o banho, vozes lindas que não conhecia e que se perdiam na distância, mas o faziam mais feliz.

23/01/08

Capítulo 2 - 1998

Foram as seis horas de espera que passaram mais rápido na vida. Eu, minha esposa e dois amigos, aguardávamos, sentados na arquibancada, pela entrada do Paul Hewson e seu companheiros, pois em breve ia começar um show do U2 no estádio do Morumbi. Já era noite quando tudo começou, e não demorou muito para o estádio começar a vibrar com a energia emanada por todos. Se passam as músicas, se passam as horas e tudo termina com 40. Parecia combinado com o que eu e tanto outros fãns, aguardavam. No final, enquanto uma massa humana se deslocava para fora, eu ficava deitado na arquibancada feliz e sem noção dos anos passados ou futuros, estava apenas feliz pois estava com pessoas que gostava e tinha acabado de ver um show do U2. Queria tanto conhecer o Bonovox... Mas isto é pura divagação...

27/01/08

Capitulo 3 - 2003

Foi no ano de 2003 que nasceu meu filho, que é a melhor coisa da minha vida... Pena que para mim é tão difícil expressar isto, mas eu tento, eu tento...
Foi neste ano, também, que minha vida financeira começou a desmoronar.
Contarei a história de como isto aconteceu, mas não para que tenham pena, mas para que estejam alertas e busquem aprender com os erros dos outros.

Um amigo precisava de uma soma em dinheiro para poder começar o seu negócio e conversamos muito sobre isto, como eu o conheci a há muito tempo e ele parecia um excelente profissional e com excelentes clientes e contatos, levantei a grana e ele me devolveria tudo depois de seis meses. Seis meses dava para aguentar bem apertado. Mas para conseguir o dinheiro precisei fazer empréstimos, comprar com cheques pré, usar o cartão demais, etc e tal.
Passaram os seis meses e o dinheiro não voltou, não voltou até hoje e agora acredito que nem voltará, pois cheguei em uma situação em que ou eu me preocupava em receber o dinheiro ou trabalhava para tentar quitar as dívidas. E dívida é como uma bola de neve, começa pequena e vai crescendo, voce pega dali para pagar aqui e vice-versa. Em resumo: saí do emprego e quitei quase tudo com o fundo de garantia, mas o quase cresceu, então vendi minha casa e quitei quase tudo, mas o quase cresceu de novo, como bom pagador e besta quadrado, não negociei a dívida, fiquei com medo de ter o nome sujo, fiquei com medo...

Hoje ainda resta parte da dívida, por sorte voltei a morar onde morava, e estou recomeçando. Sinto que a tempestade já passou, já cheguei no fim do poço e agora é só subir. Mas escalar exige preparo e dedicação e aprendo isto há cada dia novo.

Aprendi a viver dia por vez, a cada dia basta o seu cuidado disse o Mestre.
Aprendi a negociar dívidas, contas, o que tenho de receber e o que tenho de pagar.
Aprendi que ou enlouquecia com as dívidas ou trabalhava para quitá-las conforme me fosse possível. E é assim que vivo com minha esposa, meu filho, e meu cão.
Parece que estou vivendo duas vidas em uma só, pois preciso conquistar tudo de novo.

Graças a Deus encontrei muita gente boa durante este período e tive muita ajuda de Alguém lá de Cima.

Meu amigo? Sumiu. Mágoas ou raiva? Por mas estranho que pareça não sinto nenhuma, afinal das contas o erro foi meu. Mas estou mais alerta e mais esperto.

Para ajudar alguém voce deve estar preparado, caso contrário pode só estar aumentado o problema da pessoa ou o seu. Pense nisto.

Se voce tiver em alguma situação parecida procure um amigo de coração ou alguém em quem confie com certa reverência e peça auxílio. Pense antes de pagar as dívidas, negocie, vá atrás de seus direitos, não tenha vergonha de dever dinheiro, metade do país deve (não que isto seja desculpa) e não há vergonha em estar nesta situação, deixe a vergonha para os corruptos, eles terão o seu dia...

Cuide das suas dívidas de forma que consiga quitá-las totalmente e nunca pegue um empréstimo para pagar outro. Viva um dia por vez. Concentre-se em um problema por vez e não tenha medo de ter o nome "negativado" contanto que com o passar do tempo o dinheiro que juntou ou conseguiu vendendo bens ou trabalhando, pague tudo. Daí sim voce resolve o seu problema.

Não caia no mesmo erro que eu que quase paguei tudo duas vezes e ainda tenho parte da dívida e sai de um emprego e vendi minha casa.

Mas nasceu Mateus, meu filho, meu raio de sol.

Capítulo 4 - 1983

Foi neste ano que começei a escrever de uma forma mais séria e constante. Junto com um amigo de sala de aula, um abraço Daniel, começamos a escrever poesias e prosas e se já adorava ler, peguei gosto pela escrita. Percebi que minha gramática era péssima, e ví que a minha salvação na escola seriam as redações e assim o foi:

Zero em gramática.
Cinco em literatura.
Dez em redação.
Média 5.
Passei de ano.

E assim foram por alguns anos.

Ganhei concursos na escola, ganhei menções honrosas da prefeitura de São Paulo, ganhei experiência e consegui escrever um monte de livros técnicos e sabe o que isto me fez melhor do que voce? Nada. Nothing. Coisa nenhuma. Escrevo por sobrevivência.

09/02/2008

Capítulo 5 - Pai Nosso

Pai nosso (pois mesmo que voce pense que é apenas uma unidade carbono, no mais íntimo do seu ser, se voce permitir isto, enxergará uma centelha de esperança em saber que existe um Ser Supremo e Justo. Isto acontece e aconteceu com todos os povos em todos os tempos. Acredita nisto? Ou seu orgulho é maior que sua razão???) que estais nos céus (nos céus, no espaço, em todo tempo e lugar, não é capaz de compreender? Não limite Deus as qualidades de um homem), santificado seja o vosso nome (agradecer e reconhrecer é algo de bom, algo que, se devemos fazer com todos os que nos cercam materialmente, como não agradecer e revenciar a Essência Suprema), venha a nós o vosso reino (não este reino de caos e desordem que nós, homens, encarnados ou não, construímos e que é consequência de nossas próprias imperfeições. Acha este mundo injusto e ruim? Ajude-o a ser melhor faça alguma coisa, sanctify yourself meu amigo) e que seja feita a vossa vontade assim na terra como no céu. (a vontade do Pai é que evoluamos, somos como alunos em uma escola, se estudarmos aprendemos e passamos de ano, nos tornamos técnicos, engenheiros, "mestres", se não, ficamos para trás. E daí? Daí que não adianta reclamar do mundo injusto e que tudo isto é vontade de Deus, a vontade de Deus é a perfeição... faça a sua parte).
O pão nosso de cada dia nos daí hoje, ( e que aprendamos a dividi-lo com quem precisa, seja o pão material, seja nosso tempo, seja nosso saber) perdoai as nossas dívidas assim como perdoamos a quem nos deve (pimenta no olho dos outros é refresco... aprenda a perdoar primeiro e daí peça perdão, como exigir alguma coisa dos outros se não somos, nós mesmos, capazes de fazer?) e não nos deixei cair em tentação ( daí-nos, peço humildemente, a capacidade de saber o que podemos e o que nos convém) mas livrai-nos do mal ( livrai-nos antes de fazermos o mal, pois, por mas estranho que pareça é melhor sofrer o mal que infringi-lo a alguém. Quando voce desencarnar, bem como eu, teremos provas disto). Amém.(amem, façam a caridade acreditando no bem).

17/02/2008

Capítulo 6 - 1991

Fazia quase um anos que eu estava trabalhando na TV Cultura e fui escolhido para cobrir a ausência de um outro funcionário, na cidade de Presidente Prudente. Foi a primeira vez que voei de avião e isto não é um pleonasmo...
Foram quinze ou vinte dias distante de todos os que me conheciam melhor, mas foi uma experiência fantástica. Fiz novos amigos, trabalhei muito em campo, conheci novos lugares, acrescentei experiência a minha vida.
De tudo o que lá fiz, conheci e passei o que mais lembrança deixou foi a amizade com um dos técnicos de lá. Foi sua amizade, sua capacidade de escutar, sua perfeição técnica, seu censo de trabalho, justiça e responsabilidade.
Me lembro que, no dia de voltar para casa, tivemos uma última viagem juntos e ele parou e me apresentou o rio Paraná. Dois quilômetros de largura, uma imensidão de água. Corri até uma pequena praia e toquei o rio e me senti bem diante daquela imensidão de vida e morte, me senti pequeno mas me senti parte de um todo, um todo chamado planeta Terra. Ou Gaia, como queiram.

Obrigado meu amigo, que bons espíritos o acompanhem em seus caminhos.

17/02/2008

Capítulo 7 - 2000

Na semana passada internei o meu pai...
De tudo o que já fiz na vida isto foi uma das coisas mais difíceis e que mais doeu... e ainda dói.

Lembro-me do meu pai bravo com a travessuras minhas e do meu irmão.
Lembro-me do meu pai ajudando em catástrofes ocorridas em São Paulo.
Lembro-me do meu pai chegando em casa, impecável no seu uniforme de motorista, em plena madrugada. Para logo depois voltar a trabalhar.
Lembro da fotos em que aparecemos juntos e lembro das fotos que dele eu fiz.
Lembro das poucas vezes em que acariciei o seu cabelo (como eu não entendo nada - nothing - da vida), e prefiro me esquecer de suas bebedeiras e noites em hospitais. Não, não é fuga, é apenas dar valor ao que realmente tem valor.
Meu pai, hoje, sofre de uma mistura de mal de alzheimer, acelerada por consumo excessivo de bebidas alcoólicas (isto segundo o que consegui estudar e obter dos médicos).
Hoje, ele confunde as coisas, esquece quase tudo, às vezes é teimoso, outra vezes violento. Não toma banho sozinho, não faz sua higiene pessoal, não consegue andar direito (tem aneurite, mais pronunciada nas pernas, devido ao álcool).
Internei meu pai pois não conseguia cuidar dele direito, internei a contragosto, internei...
Agora tenho mais tempo para tudo mas, às vezes, sinto que não tenho mais pai. Embora isto não seja verdade e os caminhos da vida sejam eternos.
Ontem ele era um homem formoso e jovial. Hoje ele nem se lembra da família.
Isto é que dói,
não por dó,
não por egoísmo (talvez um pouco ou muito), mas por sua condição.
Internei meu pai e sinto falta dele, dos barulhos, do trabalho, até da irritação.
Como dói tomar estas decisões.
Como sinto falta do homem,
que aparece nas fotos,
que deixa acariciar os seus cabelos,
que bebia demais,
que me fazia perder o sono,
que caia e me prendia em casa.
Como sinto falta do meu pai que hoje só vejo em dias de visita.
Como sinto falta do meu pai.

Que bons espíritos o guardem.

Good speed your love to her.
Today, tomorrow, again and again. Forever.
03/03/2000

Capítulo 8 - Dia 17 de fevereiro de 1963

Neste dia nascia meu irmão mais velho. Meu único irmão. Meu amigo quando criança, meu defensor na escola. Meu conselheiro na adolescência. Depois a vida, com suas atribuições, começou a nos distanciar. Amigos diferentes, escolas diferentes, crenças diferentes, problemas diferentes.
Lembro dos conflitos e da dor.
Lembro de "perdermos" nossa mãe, de internarmos nosso pai, de brigarmos e nos reconciliar-mos quase na mesma hora.

Sei que já disse que a nossa família a gente encontra na rua, mas, com certeza, há exceções. Meu irmão é uma delas.

Hoje ele mora distante, está casado há anos, mas ainda é meu irmão.
Obrigado meu irmão.
Desculpe pelos erros passados.
Muita paz e felicidade no porvir.
Feliz aniversário.

17/02/2008

Capitulo 9

Ele veio do Nordeste saindo de um emprego do qual não tirava férias há anos e, provavelmente, isto ajudou a forjar seu caráter e sua responsabilidade perante o trabalho.
Chegando em São Paulo, foi morar sozinho em uma favela. Com o tempo percebeu que as condições daquela favela poderiam ser melhoradas. Percebeu isto ao observar os "gatos", instalações elétricas muito mal feitas e que traziam problemas diários e riscos de incêndios. Pegou uma escada, subiu em um poste, levando consigo ferramentas e fita isolante e, ao chegar nas ligações, foi questionado por muitos... O que voce vai fazer aí? Deixe minha ligação em paz. Voce sabe com quem está se metendo? Olhou, parou, pensou e disse: Eu sou técnico em eletrotécnica e eletricista com anos de experiência, se me deixarem eu arrumo tudo isto e não haverão mais quedas de energia, luzes variando o brilho, princípio de incêndio... posso? Deixaram que ele fizesse o seu trabalho e tudo ficou muito bem feito. Daquele dia em diante ganhou o respeito de todos, pois trouxe benefícios sem pedir ou ganhar nada de ninguém. Consertou o que havia de errado apenas pelo prazer de faze-lo.
Fui conhece-lo muitos anos após isto. Já tinha casa própria e já tinha trazido toda a sua família para cá. De todos os profissionais com quem tive contato, ele era, com certeza, um dos mais eficientes. Sabia a prática e a teoria, sabia ouvir e falar, sabia aprender e ensinar. E foi ensinando que nos conhecemos, por obra do destino fomos dar aulas na mesma escola, a sintonia ocorreu de imediato e começamos nosso trabalho conjunto para melhorar o curso de elétrica. Criamos apostilas, conseguimos doações, escrevemos livros, montamos painéis, montamos boxes para simulação de residências. Passávamos boa parte do sábado nos divertindo com os alunos e com a eletricidade.
Um dia, nem eu mesmo sei o porque, parei de lecionar lá, mas ele continuou.
Outro dia, ele trabalhando em sua casa, caiu da laje, mas sobreviveu e passou anos se recuperando. Ainda escreve livros, ainda tem coragem para mudar de cidade e enfrentar novas situações, ainda somos amigos, mesmo que distantes. Um dia, estará totalmente recuperado e voltará a ativa e quem dera eu possa acompanhá-lo.
O que posso dizer dele? Um profissional e ser humano honesto, extremamente trabalhador, com um senso de justiça e com uma determinação inabalável. Coisa de dar inveja, no bom sentido que seja. Alguém para se admirar.

08/03/2008